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Super Flumina

Liberae sunt enim nostrae cogitationes - Cícero (Mil. 29 - 79) . Um blog de Rui Oliveira superflumina@sapo.pt

Super Flumina

Liberae sunt enim nostrae cogitationes - Cícero (Mil. 29 - 79) . Um blog de Rui Oliveira superflumina@sapo.pt

Casamentos de pessoas do mesmo sexo na Antiguidade

O barbudo Calístrato desposou o robusto Afro

segundo a lei que une uma donzela a um homem.

Acenderam-se tochas, cobriu-se o rosto com o véu,

e nem te faltaram os teus cantos, Talassião.

Fixou-se até o dote. Não te parece, Roma,

que já chega? Esperas, se calhar, que ele até dê à luz?

 

Marcial, Epigramas. Vol. IV, Livro XII, 42, p. 123 (trad. de José Luís Brandão)

A Era Obama

Chegou já a última época dos oráculos de Cumas.

Renasce de raiz a grande sucessão dos séculos.

Eis que volta já a Virgem, volta o reino de Saturno,

e já do alto dos céus desce uma nova geração.

Favorece, ó casta Lucina, o menino a nascer; com ele cessará

a idade do ferro, e em todo o mundo surgirá desde logo

a de ouro. Reina já o teu caro Apolo.

[...]

Esse menino receberá uma vida divina, e verá entre os deuses

os heróis misturados; ele mesmo será visto por aqueles,

e governará o orbe pacificado pelas paternas virtudes.

Sem ser cultivada, a terra será a primeira a dar-te de prenda,

menino, as coleantes heras no meio do bácaro,

derramando a colocásia à mistura com o ridente acanto.

Por si mesmas, as cabras virão trazer a casa

os úberos tensos de leite, e aos leõe enormes não temerão os rebanhos.

[...]

O solo não sofrerá com o arado, nem a videira com a podoa;

o lavrador robusto desligará também o jugo aos touros,

e a lã não aprenderá a falsidade da mudança de cor,

mas por si mesmo o carneiro nos prados transformará o seu velo,

ora com uma púrpura delicada, ora com o açafrão.

[...]

Olha o mundo a oscilar na abóbada celeste,

as terras, a extensão do mar, a profundeza do céu.

Olha como tudo se compraz com o século vindouro!

 

Virgílio, Bucólicas (IV 4-10, 15-22, 40-44, 50-52), trad. Maria Helena da Rocha Pereira

Natal

Las pajas del pesebre

 

Las pajas del pesebre,
niño de Belén,
hoy son flores y rosas,
mañana serán hiel.

Lloráis entre las pajas
de frío que tenéis,
hermoso niño mío,
y de calor también.

Dormid, cordero santo,
mi vida, no lloréis,
que si os escucha el lobo,
vendrá por vos, mi bien.

Dormid entre las pajas,
que aunque frías las veis,
hoy son flores y rosas,
mañana serán hiel.

Las que para abrigaros
tan blandas hoy se ven
serán mañana espinas
en corona cruel.

Mas no quiero deciros,
aunque vos lo sabéis,
palabras de pesar
en días de placer.

Que aunque tan grandes deudas
en paja cobréis,
hoy son flores y rosas,
mañana serán hiel.

Dejad el tierno llanto,
divino Emanüel,
que perlas entre pajas
se pierden sin por qué.

No piense vuestra madre
que ya Jerusalén
previene sus dolores,
y llore con Joseph.

Que aunque pajas no sean
corona para Rey,
hoy son flores y rosas,
mañana serán hiel.
 

Lope de Vega (1562-1635)

Por hoje temos Torga

Coimbra, 3 de Novembro de 1993.

 

TERMO

 

Pára, imaginação!

Não há mais aventura, nem poesia.

A hora é de finados,

Com versos apagados

Na lareira onde a fogueira arida.

 

Pára, é da lei.

Agora é só cansaço desiludido

E memória teimosa que entristece

O nada que acontece

E o muito acontecido.

 

Pára, porque findou

O tempo intemporal

Do amor e da graça concedida

A quem nele, no seu barro original,

Modela a própria vida.

 

Miguel Torga, Diário (Volumes XIII a XVI), Círculo de Leitores, 2001, p. 1669.

Aljubarrota

Aqui a fera batalha se encruece

Com mortes, gritos, sangue e cutiladas;

A multidão da gente que perece

Tem as flores da própria cor mudadas.

Já as costas dão e as vidas; já falece

O furor e sobejam as lançadas;

Já de Castela o rei desbaratado

Se vê, e de seu propósito mudado,

 

O campo vai deixando ao vencedor,

Contente de lhe não deixar a vida;

Seguem-no os que ficaram, e o temor

Lhe dá, não pés, mas asas à fugida;

Encobrem no profundo peito a dor

Da morte, da fazenda despendida,

Da mágoa, da desonra e triste nojo

De ver outrem triunfar de seu despojo.

 

Alguns vão maldizendo e blasfemando

Do primeiro que guerra fez no mundo;

Outros a sede dura vão culpando

Do peito cobiçoso e sitibundo,

Que, por tomar o alheio, o miserando

Povo aventura às penas do Profundo,

Deixando tantas mães, tantas esposas,

Sem filhos, sem maridos, desditosas.

 

O vencedor Joane esteve os dias

Costumados no campo, em grande glória;

Com ofertas despois e romarias

As graças deu a quem lhe deu a vitória.

Mas Nuno, que não quer por outras vias

Entre as gentes deixar de si memória

Senão por armas sempre soberanas,

Para as terras se passa transtaganas.

 

Camões, Os Lusíadas, Canto IV, 42-45.

400 anos

SEGUNDO

ANTÓNIO VIEIRA

O céu 'strela o azul e tem grandeza.
Este, que teve a fama e à glória tem,
Imperador da língua portuguesa,
Foi-nos um céu também.

No imenso espaço seu de meditar,
Constelado de forma e de visão
Surge, prenúncio claro do luar,
El-Rei D. Sebastião.

Mas não, não é luar: é luz do etéreo
É um dia; e, no céu amplo de desejo,
A madrugada irreal do Quinto Império
Doira as margens do Tejo.

Fernando Pessoa, Mensagem

Noites gélidas

NOITES GÉLIDAS

MERINA

Rosto comprido, airosa, angelical, macia,
Por vezes, a alemã que eu sigo e que me agrada,
Mais alva que o luar de Inverno que me esfria,
Nas ruas a que o gás dá noites de balada,
Sob os abafos bons que o Norte escolheria,
Com seu passinho curto e em suas lãs forrada,
Recorda-me a elegância, a graça, a galhardia
De uma ovelhinha branca, ingénua e delicada.

Césario Verde

Kalevala

Não sei se há ou não coincidências, mas ia eu escrever  sobre o Kalevala e, numa passagem pelos blogs que costumo ler, vi que a Xantipa já tinha tocado, ontem, no assunto.

Por que é que eu ia falar no assunto? Pura e simplesmente porque hoje, quando vi o Kalevala em português (de que eu tinha já algum tempo ouvido a notícia da sua publicação) na Fnac do Norteshopping e decidi ler as notas introdutórias fiquei absolutamente espantado por verificar que a versão portuguesa em questão não era uma tradução do original, mas a partir de versões inglesas. O tradutor, Orlando Moreira, tem aliás uma página, A Kalevala em Português, onde disponibiliza parte do texto e explica, também, algum dos pressupostos que presidiram a este projecto. E o que nos diz o tradutor sobre isso? (destaques meus):

O Português é talvez a única das grandes línguas em que não existia ainda uma tradução da Kalevala.
Por outro lado, o poema interessa-me pelas repercussões imensas que teve sobre a identidade cultural de um povo, pelo exemplo que é da génese de um épico a partir da tradição oral e pela sua influência na cultura popular, nomeadamente nas criações de Tolkien e dos seus seguidores.
Surgiu-me assim a ideia de que seria possível traduzir a Kalevala a partir das suas traduções em inglês e utilizando as canções tradicionais finlandesas que lhe deram origem como inspiração para os ritmos e sonoridades da língua que a versão em português devia tentar adaptar.

O meu problema com as traduções indirectas é que elas dependem totalmente da qualidade das traduções intermédias que se utilizam como base. O autor utilizou mais do que uma, mas, ainda assim, não há como verificar em relação ao original qual o grau de "fidelidade" (ponho fidelidade entre parênteses, porque é um conceito que tem muito que se lhe dia).

Por outro lado, se no passado este processo se utilizou (o meu avô tinha muitas livros de Dostoiévski cujas versões portuguesas eram traduzidas do francês, não do russo), penso que, actualmente, não se justifica este tipo de edição e nem está me questão a possível qualidade literária do texto em português resultante.

De qualquer modo, não sei porquê, isto fez-me lembrar esse prolífico escritor e poeta que foi António Feliciano de Castilho e a sua tradução do Fausto de Goethe, bem como o seu processo de tradução. Escreveu Castilho na Advertência (edição de 1919) a esta sua tradução:

Estão simultaneamente abertas à roda de nós, a tradução textual e ilustrativa do Sr. Laemmert, a de meu irmão, em certo modo filha da precedente, a portuguesa do Sr. Ornellas, e quatro francesas em prosa raro entremeada de pequenos trechos em verso.


Sobre cada período do poeta alemão são sucessivamente chamados a depor todos estes sete interpretes e acariados uns com os outros com a maior severidade de crítica. A minha consciência está para ali como júri imparcial incumbido e ávido de liquidar entre tantos depoimentos diversos, muita vez confusos e não poucas vezes contraditórios, as máximas probabilidades de certeza, quando a certezas se não chegue.


Passos há, devo confessá-lo, em que nem sequer boas probabilidades se liquidam; discute-se, reestuda-se, medita-se de novo e quando Deus quer transfere-se para hora melhorada, ou para outro dia, a solução da dúvida com que o actual momento se não atreve, até que afinal, atinada a verdadeira, ou a mais plausível, ou a menos ruim sabida da dificuldade, diligenceio expor a coisa a nosso modo, que todos a entendam sem esforço e a possam escutar sem desagrado nem estranheza.


Castilho, consciente de que a tradução indirecta tem sempre os críticos, e estamos a falar de meados do séc. XIX, trata, a seguir, de justificar as condições sob as quais se justifica traduzir de modo indirecto:


Aqui seria já supérfluo ponderar uma verdade, que à primeira vista pareceria paradoxo, a saber: que dadas certas circunstâncias pode um poeta de consciência verter a obra de outro sem aliás lhe conhecer a língua, muitos factos o comprovam. Monti, que deu à Itália a melhor tradução da Ilíada, pelo menos a que se lê com maior gosto, não sabia o grego.


Os salmos de David, centenares de vezes passados a diversas línguas por poetas excelentes, nunca talvez o foram do idioma original. O Oberon, que traduzido directamente do alemão [14] pela Marquesa d’Alorna tão dessalgado saiu, que mal deixa adivinhar porque é que a Wieland se dera a qualificação de Voltaire do Norte, o Oberon veio a ser um dos mais saboreados poemas em nossa língua, saído da pena de Filinto, que nos declara não saber palavra do alemão; o meu admirável poeta Machado d’Assis, ornamento brilhantíssimo das letras brasileiras, deu-nos lindos fragmentos de poesias orientais tomadas não dos textos primitivos, senão de uma interpretação inglesa; e sem me andar à procura de mais exemplos, eu próprio, que do dinamarquês e do sueco não entendo uma sílaba única, traduzi poesias suecas e dinamarquesas, e fui por competentes juizes aprovado. Tudo esteve em ter quem minuciosamente mas interpretasse. Quanto ao grego, peço meças em ignorância ao Vicente Monti. O mestre que tive dessa língua, no meu primeiro tirocínio de humanidades, desconhecia-a quase tão crassamente como os seus ouvintes, o que me fez perder-lhe para logo todo o gosto; e todavia não foi isso parte para eu não dar uma tradução de Anacreonte e outra do Rapto de Europa, por Moscho, com as quais os raros que têm voto na matéria não ficaram mal avindos.


Castilho fala-nos aqui da qualidade dos textos resultantes. Mas será que, alguns casos, ainda estaremos perante uma tradução do texto de origem? É certo que qualquer tradução é uma reescrita do texto original, mas até que ponto? Voltarei a este ponto com mais detalhe.


Só para terminar, boa notícia, em tudo isto, é ficar a saber pela Xantipa que vai haver uma edição de Kalevala traduzida directamente do finlandês. Na altura, se houver tempo, até se poderá fazer uma análise contrastiva entre os dois textos.

Em dia de finados

Carme 101

Multas per gentes et multa per aequora uectus
aduenio has miseras, frater, ad inferias,
ut te postremo donarem munere mortis
et mutam nequiquam alloquerer cinerem.
quandoquidem fortuna mihi tete abstulit ipsum.
heu miser indigne frater adempte mihi,
nunc tamen interea haec, prisco quae more parentum
tradita sunt tristi munere ad inferias,
accipe fraterno multum manantia fletu,
atque in perpetuum, frater, aue atque uale.

Depois de atravessar muitos países e muitos mares,
eis-me aqui, irmão, para estes tristes ritos fúnebres,
para te prestar a última exéquia da morte
e falar em vão à tua muda cinza.
Pois a fortuna me privou de ti, da tua própria pessoa,
Ai, desventurado mão, cruelmente me foste arrebatado!
Agora estes dons que, por antigo costume dos antepassados,
te são ofertados como triste homenagem aos mortes,
aceita-os, regados por copioso choro fraterno.
E para sempre, querido irmão, fica em paz. Adeus!

Catulo (2005), Odeio e amo, Introdução, selecção e tradução de José Ribeiro Ferreira, MinervaCoimbra: Coimbra.

Post scriptum. Quem quiser saber um pouco mais sobre Catulo sempre pode ler o que que escrevi sobre ele no meu blog Humanae Litterae em Catulo - Parte I e Catulo - Parte II.

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