Ficou-se hoje a saber que o prémio Nobel da Literatura 2010 foi para Mario Vargas Llosa. Confesso que fiquei surpreendido, não pela qualidade literária, que praticamente todos dizem ser excelente (não posso aferi-la por mim próprios pois conheço relativamente mal a obra de Llosa), mas pelo facto de ele ser um homem conotado com a direita, um intelectual latino-americano nada típico, crítico das ditaduras, de Chavez e irmãos Castro.
É usual a Academia sueca escolher prémios Nobel da Literatura mais por considerações extraliterárias do que literárias. Mas, se calhar, sempre assim o foi, pois desde o início o ignorou grandes nomes como Ibsen, Joyce, Nabokov, Brecht, Malraux, Pound ou Borges. De qualquer modo, pensava-se que Llosa já tinha perdido as melhores hipóteses de ser Nobel.
Era bom que o prémio Nobel da Literatura abordasse apenas a questão literária, mas talvez isso seja impossível. Poderia era evitar premiar escritores medíocres. De notar que penso que o prémio Nobel da Literatura é um prémio de muito mais difícil atribuição do que a maioria dos outros prémios. Em primeiro lugar, o comité não consegue conhecer toda a literatura do mundo, pois não tem nem os recursos nem as competências para isso (inúmeros escritores de literaturas mais desconhecidas passarão despercebidos), depois, a maioria das obras não serão lidas na sua língua original. Por outro lado, a classificação de alguém como grande escritor depende muito de opções pessoais. É tudo bastante subjectivo, como aliás não poderia deixar de ser.
Por isso, para mim, o facto de alguém ter recebido um Nobel da Literatura não tem mais nem menos importância, nem é por isso que eu o vou considerar como um grande escritor ou que me vou apressar a lê-lo. Quando Le Clézio foi premiado em 2008, fiquei contente porque realmente tinha-o lido e tinha gostado imenso, não fiquei a gostar mais por ter ganho o Nobel.
Tomemos o Nobel pelo que realmente é, um prémio concedido por um número limitado de pessoas, com as suas naturais limitações e com os seus próprios preconceitos, que todos os anos tem que entregar um prémio em que entram em equação diversas questões extraliterárias, não um selo de garantia da qualidade do escritor premiado.
No entanto, ainda bem que este ano foi para Mário Vargas Llosa.
Au reste, je ne suis point comme M. Rousseau, un enthousiaste des Sauvages; et quoique j'aie peut-être autant à me plaindre de la société, que ce philosophe avait à s'en louer, je ne crois point que la pure nature soit la plus belle chose du monde. Je l'ai toujours trouvée fort laide, partout où j'ai eu l'occasion de la voir. Bien loin d'être d'opinion que l'homme qui pense soit un animal dépravé, je crois que c'est la pensée qui fait l'homme. Avec ce mot de nature, on a tout perdu. De là les détails fastidieux de mille romans où l'on décrit jusqu'au bonnet de nuit, et à la robe de chambre; de là ces drames infâmes, qui ont succédé aux chefs-d'oeuvre des Racine. Peignons la nature, mais la belle nature: l'art ne doit pas s'occuper de l'imitation des monstres.
Chateaubriand, Atala, Préface à la première edition (1801)
Nos últimos tempos não tenho tido muito tempo para blogar nem para ler alguns dos meus blogs preferidos. Mas, hoje, com um pouco mais de tempo, não quero deixar de falar de dois assuntos diferentes, mas que estão de algum modo ligado, ou seja, metem livros pelo meio.
O primeiro é a referência não a um post em especial, mas antes ao blog de uma tradutora brasileira, Denise Bottmann, que se chama Não gosto de plágio. De que plágio está a falar a Denise? Plágio de tradução. Sim, ao que parece há quem faça plágio de tradução.
A história conta-se em poucas palavras. No Brasil, há editoras que editam obras de autores de língua estrangeira que já estão em domínio público, mas utilizando traduções de pessoas que ainda estão vivas ou cujas traduções ainda não estão em domínio público (ou alguns que já estãom, mas atribuem-nas a outros como se fossem novas). Para evitarem pagar direitos de autor a estes tradutores, alteram os nomes dos tradutores diferentes, induzindo o público leitor em erro, pois assim, as traduções são apresentadas como se fossem traduções diferentes ou novas.
O problema é que, cotejando-se as várias traduções de uma mesma obra, verifica-se que as traduções são plagiadas. Até tradutores portugueses como Maria Helena da Rocha Pereira ou Adolfo Casais Monteiro, entre outros, foram plagiados.
No entanto, a luta da Denise, e também de outros, levou que uma editora retirasse do mercado a tradução com o nome do tradutor inventado, e fizesse uma nova edição, mencionando o verdadeiro tradutor.
É, sem dúvida, um caso triste de plágio e também um triste exemplo do (baixo) estatuto ou invisibilidade (seja lá o signficiado que demos a esta palavra) que o tradutor tem para muita gente, inclusivamente na edição literária.
Ligado com literatura, ou para alguns com a paraliteratura (cf. Aguiar e Silva in Teoria da Tradução), está o post inconsistência da Adriana sob a suas experiência de leitura de um livro de um jornalista-escritor da nossa praça.
A Adriana irrita-se com a inconsistência da personagem principal e os exemplos que dá são, verdadeiramente, signficiativos, tendo eu alguma experiência com um deles, o caso do alfabeto grego e cirílico. Não sei grego, mas sei ler o alfabeto grego. Ou seja leio grego como leio finlandês, isto é, não percebo nada de finlandês, mas como ele é escrito em alfabeto romano, consegue-se ver as palavras (bem se calhar sei mais palavras em grego, pois conheço aquelas palavras que me ficaram na cabeça desde o tempo das aulas de Introdução à Cultura Clássica e do estudo da Ilíada e Odisseia). E de facto, conhecendo o alfabeto grego, dá para ler (não quero dizer compreender) algumas palavras em cirílico, sobretudo nomes (melhor ainda quando já temos uma vaga ideia do que procuramos).
Entre estas e outras inconsistências, a Adriana parou de ler o livro. E fica aborrecida por isso. Eu compreendo, também não gosto de deixar livros a meio, sejam eles aborrecidos, maus ou outra coisa qualquer. Mas. às vezes o que tem que ser tem muita força e, de qualquer modo, se calhar, a verdadeira razão é que estas inconsistências foram apenas a gota de água que fez acabar a paciência.
Eu sei que grandes autores também cometem deslizes - estou a agora a ler Chateaubriand e em Atala, ele menciona o rouxinol no Novo Mundo, quando ele afinal se restringe apenas ao Velho Mundo -, mas o problema, pelo que a Adriana dá a entender, é que o livro em questão nem sequer consegue ser verosímel.
Geralmente, também não me aventuro na leitura deste tipo de (para)literatura, sobretudo a mais recente, porque acabo por esbarrar em dezenas de lugares comuns e de situações mais ou menos esperadas que, francamente, me tiram todo o prazer a leitura (isto, apesar de alguma desta literatura até poder estar bem escrita). Como o meu tempo para ler é reduzido e eu faço questão de arranjar sempre um minutinos diários para o fazer, certo é que já não pego num livro destes há muito tempo (o meu Código da Vinci está a ganhar pó na prateleira - e só tenho este livro porque mo deram).
Enfim, há muita gente a escrever, mas não há tantos escritores assim.
É este o nome do artigo que Guilherme d'Oliveira Martins publica hoje no Público. De facto, amanhã, 23 de Novembro, é o 4.º centenário do nascimento de D. Francisco Manuel de Melo, um autor que, de facto, parece esquecido. Razão tem Oliveira Martins quando diz:
Passaram quatrocentos anos, um número redondíssimo, mas, para surpresa de muitos, eis que um pesado silêncio parece ter caído sobre a efeméride. Invocam-se mil medianias, mas do escrito que, no século XVII, foi com Vieira referência de maturidade da nossa prosa fica a marca da ausência.
Oliveira Martins não encontra razões para este esquecimento, pelo que conclui muito acertadamente:
Não vale a pena, porém, tentar encontrar mais razões, uma vez que o que deve ser feito, está ao nosso alcance. Mais do que discursos ou de que fogo-fátuos, será aconselhável ir à estante e ler D. Francisco Manuel, irónico ou sisudo, mas crítico. Será esse o motivo do esquecimento?
D. Francisco Manuel de Melo contribuiu em parte para o nome deste blog. Na FLUP, em Literatura Portuguesa, estudei o poema "Sobre os rios" de Camões e o "Canto da Babilónia" de D. Francisco Manuel de Melo e fiquei absolutamente impressionado por estes dois poemas. Quando criei o blog, pensei logo no salmo que lhes deu origem (quanto ao nome em latim, confesso que tenho uma enorme paixão pelo latim). Por outro lado, mais do que o Renascimento, gosto particularmente do Maneirismo e do Barroco.
D. Francisco Manuel de Melo, é descrito na História da Literatura Portuguesa de A. J. Saraiva e O. Lopes como "a personificação mais acabada da cultura aristocrática peninsular na época da Restauração" em Portugal.
O prémio Nobal da Literatura deste ano foi para J.M.G. Le Clézio. Finalmente o Comité Nobel deu o prémio a um escritor de que eu gosto. Já era tempo. É certo que eu sou esquisito e não há muitos escritores actuais de que eu goste (e o Saramago, por exemplo, não está nesta minha lista).
É certo que Le Clézio estava na short list e era um dos prováveis vencedores, mas não por isso ele deixa de ser uma excelente escolha, até pela extensa obra que tem. Não conheço as edições portuguesas (e parecem-me que ou estão em ruptura de stock ou já estão esgotadas, pelo que ouvi na SIC-N), mas em Portugal ainda se conseguem encontrar alguns dos seus títulos em francês (os que eu tenho são da Gallimard).
Se calhar, agora, vão desatar a fazer edições dos seus livros (o que também em normal).Se tivesse que recomendar algum dos seus livros para começar a ler Le Clézio, penso que poderia começar-se por um livro de 11 contos que considero absolutamente extraordinários: "La ronde et autres faits divers". Foi o primeir livro que li dele e impressionou-me mesmo.
Leio no Público que a Fundação José Saramago vai receber a Casa dos Bicos para aí instalar o seu pólo português, bem como a biblioteca do escritor. Na votação da Câmara, só o PSD e o Movimento Lisboa com Carmona é que se opuseram, e muito bem, a esta cedência.
É claro que António Costa vem logo dizer que as objecções levantadas se devem a uma questão de "mesquinhez da direita portuguesa que nunca perdoou a José Saramago ter recebido o prémio Nobel".
Este é o tipo de crítica que se faz quando se quer lançar o opróbio sob a opinião contrária e não se a quer discutir racionalmente. De notar que até Ruben de Carvalho recomendou rigor na proposta, de modo a ela não estar ferida de qualquer ilegalidade.
Por mim, estou sempre contra a participação do estado, quer pela administração central ou local, em fundações privadas. As fundações devem ser criadas com fundos privados. Quem não tem dinheiro para fazer uma fundação, não a faz.
Já basta a Fundação Mários Soares que recebe subsídios do estado e da Câmara Municipal de Lisboa. Assim, qualquer um faz uma fundação.
Quanto à questão do prémio Nobel, estamos conversados. Nos últimos 20 anos (para ser simpático), os prémios têm sido distribuídos por critérios que nem sempre têm que ver com a literatura e não é pela recepção desse prémio que se vê se estamos ou não na presença de um grande escritor.
Saramago, como escritor, é-me completamente indiferente. Não é, nem de longe, nem de perto, um dos meus escritores portugueses favoritos. Tenho dois livros dele para ler há bastante tempo, mas sempre que começo um deles acabo por encontrar outros livros mais interessantes (costumo ler mais do que um livro ao mesmo tempo) e, pimba, lá fica o Saramago para trás. Enfim, um dia há-de ser...
Independentemente da razão ou falta dela por parte de Ana Paula Vitorino, o que me chama a atenção é mais uma vez a utilização da figura do "Velho do Restelo" tipificando aqueles que estão contra o progresso e favorecem o imobilismo. Eu sei que esta leitura do episódio do "Velho do Restelo" é recorrente (reflectida, por exemplo, também, Wikipédia), mas nem por isso deixa de ser errada.
Errada porquê? Quem ler com olhos de ler todo o episódio verá que o Velho do Restelo está longe de ser uma personagem que Camões trata com desprezo. Bem pelo contrário, conforme eu já escrevi, no meu outro blog, Humanae Litterae (que, diga-se a bem da verdade, anda um bocadinho abandonado, mas o tempo não me permite, para já, ser mais assíduo), num artigo chamado "Em defesa do Velho do Restelo".
Mas, para quem não tiver paciência para ler o artigo (é um bocadinho longo), sempre pode recorrer à entrada Velho do Restelo da História da Literatura Portuguesa (Universal), que termina assim:
O Velho do Restelo representa o conhecimento experiente do mundo e da alma, de forma dramática e profundamente humana. Incarna uma corrente de ideias que, no fundo, está consciente dos aspectos negativos do feito épico que Camões conta. De notar que, em Os Lusíadas, ele representa a lucidez e não tem o sentido retrógrado e agoireiro com que corre, como expressão popular.
Se calhar, era tempo das nossas elites actualizarem os seus lugares-comuns, as suas metáforas, pois, por vezes, algumas, tal como o "Velho do Restelo" baseiam-se em interpretações que não resistem a uma análise dos textos que lhe deram origem.
E o "nouveau roman" perdeu o seu papa, que faleceu esta segunda-feira aos 85 anos. Sei que haverá muitos que não apreciam a sua obra, nem sequer o movimento em que se integrou, nem os seus pressupostos.Para muitos é descontrução a mais, história a menos, mas para ele o desafio não estava na história, mas na forma.
Em Pour un nouveau roman [1963], Robbe-Grillet escreveu:
[...] On connaît le dessin satirique russe où un hippopotame, dans la brousse montre un zèbre à un autre hippopotame: «Tu sais, dit-il, ça, c'est du formalisme.» L'existence d'une oeuvre d'art, son poids, ne sont pasà la merci de grilles d'interprétation qui coïncideraient, ou non, avec ses contours. L'oeuvre d'art, comme le monde, est une forme vivante: elle est, elle n'a pas besoin de justification. Le zèbre est réel, le nier ne serait pas raisonnable, bien que ses rayures soient sans doute dépourvues de sens. Il en va de même pour une synphonie, une peinture, un roman: c'est dans leur forme que réside leur réalité.
Mais - et cela nos réalistes socialistes devraient y prendre garde - c'est aussi dans leur forme que réside leur sens, leur «signification profonde», c'est-à-dire leur contenu. Il n'y a pas, pour un écrivain, deux manières possibles d'écrire un même livre. Quand il pense à un roman futur, c'est toujours une écriture qui d'abord lui occupe l'esprit, et réclame sa main. [...]
Um dos livros mais interessantes de todo o Antigo Testamento é sem dúvida o livro do profeta Isaías que, na verdade, não é um único profeta, mas três, pois num único livro reuniram-se os escritos de Isaías (nascido por volta de 760 a.C.) e de dois outros profetas, denominados Deutero-Isaías e Trito-Isaías, de quem nada sabemos, mas que viveram já depois do regresso do exílio da Babilónia (séc. VI a.C.). Proto-Isaías: 1-39, Deutero-Isaías: 40-55; Trito-Isaías: 56-66.
O livro de Isaías é interessante não são pelas implicações teológicas do mesmo, mas sobretudo por. apesar de ser escrito por três pessoas diferentes, separadas por quase duzentos anos, ser uma obra literária superior, extremamente poética, cheia de símbolos e metáforas.
A liturgia de hoje, tem como primeira leitura parte (Is 49, 3.5-6) do chamado Segundo Cântico do Servo (Is 49, 1-6), que é um oráculo (poema) sobre o Servo de Deus. Apresento-o aqui na sua totalidade (edição da Difusora Bíblica: 1998):
«Ouvi-me, habitantes das ilhas, prestai atenção, povos de longe. Quando ainda estava no ventre materno, o Senhor chamou-me quando ainda estava no seio da minha mãe, pronunciou o meu nome. Fez da minha palavra uma espada afiada, Fez da minha mensagem uma seta penetrante, guardou-me na sua aljava. Disse-me: «Israel, tu és o meu servo, em ti serei glorificado.» Eu dizia a mim mesmo: «Em vão me cansei, em vento e em nada gastei as minhas forças.» Porém, o meu direito está nas mãos do Senhor, e no meu Deus a minha recompensa. E agora o Senhor declara-me que me formou desde o ventre materno para ser o meu servo, para lhe reconduzir Jacob, e para lhe congregar Israel. Assim me honrou o Senhor. O meu Deus tornou-se a minha força. Disse-me: «Não basta que sejas meu servo, só para restaurares as tribos de Jacob, e reunires os sobreviventes de Israel. Vou fazer de ti luz das nações, para que a minha salvação chegue até aos confins da terra.»