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Super Flumina

Liberae sunt enim nostrae cogitationes - Cícero (Mil. 29 - 79) . Um blog de Rui Oliveira superflumina@sapo.pt

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Liberae sunt enim nostrae cogitationes - Cícero (Mil. 29 - 79) . Um blog de Rui Oliveira superflumina@sapo.pt

Deve pensar que os outros são estúpidos...

O Público noticia que o guia de restauração do Porto editado pela Porto Menu tem na sua capa um insulto a Rui Rio. Na fachada de um edifício pode-se ver "Rio és um fdp". Segundo a notícia, uma funcionária da loja que existe sob o local onde se vê a inscrição diz que a inscrição nunca existiu. Por isso, terá sido posta por Photoshop. Mas, o mais hilariante e, ao mesmo tempo, completamente estúpido é a explicação dada por Manuel Leitão, editor da publicação:

 

Contactado pelo PÚBLICO, Manuel Leitão, editor da publicação, garante que já foram distribuídos "20 mil exemplares" da edição de 2012/2013 da revista, mas recusa que a inscrição seja um insulto ao presidente da Câmara do Porto, Rui Rio. "Isso é uma presunção", diz, acrescentando: "Não fala ali em presidente [da câmara] do Porto nenhum. Que eu saiba "Rio" é um substantivo próprio que significa um curso de água e o resto são três iniciais, um verbo e um artigo".

 

O senhor Manuel Leitão está a tentar fazer de lorpas todas as outras pessoas. Além do mais, se foi exactamente aquilo que ele disse, então deveria deixar a análise morfológica para quem sabe (sei lá, acho que um miúdo do 6.º ano conseguiria fazer melhor).

 

Dizer que "Rio" é um substantivo próprio e a seguir defini-lo como um "curso de água" (supondo-se, no contexto, que ele quer dizer um curso de água qualquer) só demonstra ignorância e uma contradição nos seus termos. Um "nome próprio" ("nome" substituiu "substantivo" na nova nomenclatura gramatical) designa um referente fixo e único num determinado contexto discursivo. O que provavelmente ele queria dizer é que "rio" era um substantivo "nome" comum.Além do mais, a estrutura da frase, com o verbo na segunda pessoal do singular, não deixa muitas dúvidas quanto ao sentido. Quanto aos significado de "fdp", enfim... acho que toda a gente sabe.

 

Mas, para além da ignorância gramatical, este senhor quer fazer passar as pessoas por parvas ou quê? Ou não tem, agora, coragem de assumir aquilo que publicou e que, certamente, não lhe passou despercebido.

 

Enfim, uma tristeza...

Desenhos...

Há uns dias , o Hélder Guégués referia o uso de "desenhar" como sinónimo de "conceber", por exemplo, chamando-lhe anglicismo semantico. Este uso, segundo o Hélder foi "carinhosamente adoptado pela comunicação social". Bem, parece-me que o Hélder tem razão, pois ainda hoje, no noticiário do meio-dia da RTP Informação, dizia-se, a propósito da Capital Europeia da Cultura em Guimarães, que o grupo catalão La Fura dels Bauls tinha "desenhado" um espectáculo específico para o evento. Não há dúvida, parece que esta acepção pegou de estaca. Enfim...

Acordo Ortográfico

Hoje o Público tem o Acordo Ortográfico em manchete, tratando o assunto em vários artigos, tendo até dedicado um editorial "Por que rejeitamos o acordo" para dizer que não o vai seguir.

 

Sobre o assunto, não tenho muito a dizer, apenas que tem feito correr mais tinta do que merece. Em primeiro lugar, não sei se era verdadeiramente necessário um novo acordo ortográfico. A uniformização da ortografia não é assim tão grande como isso e o que mais afasta as variantes europeia e brasileira do português está longe de ser a ortografia.

 

É absolutamente natural que a ortografia evolua e também é natural que haja uma norma. Aliás no séc. XIX, como eu já referi num post passado, Teixeira de Vasconcelos queixou-se da anarquia reinante na ortografia portuguesa em meados do séc. XIX. Só em 1911 é que se concluiu o primeiro acordo ortográfico. Ainda assim, Fernando Pessoa em 1934 editou a Mensagem com uma ortografia arcaizante.

 

Por mim, como tradutor, a questão é simples, farei a tradução na versão que o cliente quiser. Facto é que, se quiser o trabalho segundo o Acordo Ortográfico de 1990, vou ter que o estudar um pouco mais, pois ainda tenho algumas dúvidas (o Acordo é muito mais do que acção->ação ou óptimo->ótimo e outras que tais).

 

Por outro lado, a questão do Vocabulário Ortográfico da Língua Portuguesa também é importante, pois como diz Margarita Correia (na notícia do Público):

 

"O texto legal [do acordo] é aberto, mas é ambíguo e tem até contradições internas. Mas ninguém o vai ler quando tiver uma dúvida. O que se espera é que haja especialistas que façam a interpretação através do Vocabulário".

 

Ora, se o Acordo Ortográfico de 1990 é ambíguo, algo não correu muito bem na sua elaboração (para além da também mencionada facultividade entre diversas formas - lá se foi a intenção uniformizadora). Por fim, não posso deixar de achar piada quando a notícia refere o seguinte (sublinhado meu):

 

"O acordo remete muitas vezes para uma tradição, mas em lugar nenhum define qual é essa tradição. Por isso optámos por regularizar bastante a ortografia". Em muitos casos isto significou tirar os hífens (de "cor-de-rosa", por exemplo, que o acordo admitia com hífens referindo a "tradição", ao mesmo tempo que deixava sem hífen "cor de vinho"). Quando a referência é a pronúncia optou-se por seguir a da região de Lisboa.

 

Por que é que se optou por seguir a pronúncia da região de Lisboa? Será por acaso a mais "correcta"? Ou foi "porque sim"?

 

Para mim, o problema do Acordo Ortográfico de 1990 não está se cedemos mais ou menos do que o Brasil na nossa ortografia (isso não me interessa nada), mas mais na sensação de que ele não resolverá aquilo que pretende resolver, isto é, de que a existência de duas ortografias é prejudicial para a língua portuguesa ("A existência de duas ortografias oficiais da língua portuguesa, a lusitana e a brasileira, tem sido considerada como largamente prejudicial para a unidade intercontinental do português e para o seu prestígio no Mundo."- Portal da Língua Portuguesa - Memória breve dos acordos ortográficos)

 

É que, como qualquer pessoa que, por exemplo, leia textos técnicos sabe, não é por se escrever com a mesma ortografia que a diferença entre as duas variantes se vai atenuar. Um texto brasileiro será sempre um texto brasileiro, como um texto português será sempre um texto português a nível de estrutura sintática e terminologia, só para dar um exemplo.

 

Por último, só para dizer que todo este processo foi, no mínimo, mal conduzido pois desde 1990 andamos a discutir isto.

Eufemismos

Foi no mínimo surpreendente ouvir hoje António Vitorino, na RTP 1, substituir a conhecidíssima expressão "pescadinha de rabo na boca" pela nóvel "pescadinha de apêndice caudal na boca".

 

Não acredito que António Vitorino não tenha dito "rabo" por motivos politicamente correctos, nem por qualquer prurido em dizer rabo na televisão em horário nobre.

 

Isto é, acho eu que não foi por isso, mas também me escapa a razão. se calhar foi só para falarem dele (pois do que ele disse no programa já não me lembra nada. Não deve ter sido nada de muito importante).

Não havia necessidade

O De Rerum Natura é um excelente blog, sendo a maioria dos seus artigos bastante interessantes, mesmo quando não estou de acordo com eles, há sempre qualquer coisa que vou aprendendo, pois os seus artigos são, normalmente, escritos de modo rigoroso (na medida em que eu posso apreciar, pois há temas que estão para lá do meu conhcecimento geral).

Mas, neste artigo da Palmira F. Silva, intitulado Guerras de Propaganda, deparei-me com  um problema que já várias vezes critiquei (por exemplo, aqui): a tradução de nomes próprios (e de outros nomes também).

Assim, a Palmira fala em Zarathushtra, Guelphs e Ghibellines, quando, em português, se diz Zaratustra, guelfos e gibelinos (sendo que guelfo e gibelino estão já dicionarizados há muito tempo).

É que não é preciso usar grafias estranhas, quando já existem equivalentes portugueses consagrados. É esta, em termos gerais, a minha orientação para nomes próprios; não me comovem, normalmente, fundamentações etimológicas, para estar mais perto da língua original (a não ser que haja boas razões para isso, pois a língua está sempre em evolução).

Acordo ortográfico

Não me lembro se alguma vez escrevi aqui no blog sobre o acordo ortográfico, mas, há uma coisa que me aborrece verdadeiramente, é o tipo de informação que passa, por exemplo, nas televisões portuguesas sobre o assunto.

Ainda hoje, na RTP-N, de manhã, uma notícia começou com algo deste género: "a única língua com duas ortografias". A sério? É certo que Portugal e Brasil têm ortografias oficiais, não sei se outros países de dedicam a isso. Mas, dito como foi dito, até parece que os ingles não escrevem "metre" e os americanos "meter". E como esta, muito mais. Que eu saiba, alemães e suíço também não escrevem exactamente da mesma maneira.

Depois, no decorrer da reportagem, ainda se ouvem outras barbaridades. Alguém disse, já não lembro quem, que, no caso dos documentos internacionais é preciso escrever duas versões: a portugues e a brasileira. Mas, alguém pensa que por termos uma ortografia igual (que, na verdade, mesmo com o acordo, não é integralmente igual), os documentos poderiam ser exactamente iguais para Portugal e Brasil. Será que esta gente não percebeu que a diferente ortografia é, embora a mais visível, a menos importante das diferenças entre o português falado dos dois lados do Atlântico?

E a sintaxe? E a terminologia? Não serão muito diferentes? Por exemplo, no caso da tterminologia: um documento de saúde que fale da SIDA, teria que pôr AIDS/SIDA. E na manutenção industrial em que a confiabilidade dos brasileiros é a fiabilidade dos portugueses. Isto são apenas exemplos básicos, pois em qualquer uma das línguas de especialidade, as diferenças entre Portugal e Brasil são absolutamente abissais. Temos práticas diferentes, métodos diferentes de ir buscar a terminologia. E não falo dos PALOP porque não conheço bem a sua realidade linguística. Mas, certamente também têm os seus usos próprios, sintácticos e terminológicos.

Se alguém pensa que o português europeu e o brasileiro estão apenas separados pela ortografia, bem, pode tirar o cavalinho da chuva, porque esse é o menor dos problemas.

Por mim, contabilidades do género Portugal vai mudar um maior número de palavras do que o Brail não me serve de argumento. A ortografia mudará, como sempre, mudou. Como esvremos agora, não será como os portugueses escreverão no futuro.

O meu problema com o acordo (para além de ser uma opção dirigista) é o da sua utilidade, pois, prevejo, que na maioria dos casos as vantagens apregoadas não passam de wishful thinking.

Voltarei ao assunto.

Coisas que me fazem impressão...

Por exemplo, esta notícia no Diário de Notícias: António Osório doa espólio literário à BN

Porquê? É que esta coisa de alguém estar vivo doar o seu espólio é algo que me parece, no mínimo, contraditório. É que, se pegarmos na definição da entrada "espólio" no Houaiss, obtemos o seguinte:

espólio s.m. [...] 3 conjunto dos bens que são deixados por alguém ao morrer 4 JUR conjunto de bens que formam o património do morto, a ser partilhado no inventário entre os herdeiros ou legatários; herança.

Como se pode ver, o espólio é aquilo que um morto deixa, pelo que um vivo não doa um espólio, mas, certamente, que já poderá doar um acervo (e uso a mesma fonte):

acervo s.m. [...] 2 conjunto de bens que integram o património de um indivíduo, de uma instituição, de uma nação.

Engraçado é que em subtítulo diz-se "Exposição revela documentos que integram acervo do poeta". Mas é a única vez que a palavra aparece, enquanto "espólio" aparece 5 vezes.

De qualquer modo um vivo doa um acervo, mas não um espólio.

Há coisas fantásticas...

Normalmente não sou um daqueles puristas que existe que os locutores, apresentadores ou jornalistas tenham que dizer com uma pronúncia impecável e correcta todos os nomes estrangeiros que lhes apareçam pela frente, embora, naquelas línguas ou naqueles nomes que sejam mais próximas ou se enham tornado frequentes se espere alguma precisão.

No entanto, não me deixou de espantar o modo como o locutor da peça jornalística da RTP sobre o jogo Almeria - Real Madrid pronunciou o nome do clube da casa: Al-mé-ria.

Em castelhano, "almería" até tem acento no "i", sendo por isso uma palavra grave. Em português, naturalmente pronunciamos com tónica no "í" também. Não sei como se lembrou o jornalista de pronunciar a palavra como se fosse esdrúxula.

É que até fica estranho.

TLEBS

Via Assim Mesmo fiquei a saber que o texto de revisão da TLEBS está em consulta pública até 31 de Dezembro. Quem quiser ver ou comentar pode encontrar o documento  aqui.

Ainda não tive tempo para comparar esta versão com a versão original, mas espero ter tempo para o fazer. Se o fizer, partilharei algumas das minhas observações aqui no blog. A ver varmos...

Guerra das línguas

Antonio de Nebrija (1444-1522), no seu Prólogo a la Gramatica de la Lengua Castellaña escreveu que "siempre la lengua fue compañera del imperio". E, pelo menos, desde essa altura, muitos entenderam que o avanço de uma língua é uma consequência natural do avanço do império que a fala.

E, ao ler esta notícia no Le Monde, parece-me que muitos deputados franceses também acreditam nisto (claro que, neste caso, o "império" é o americano). O caso é simples de contar: trata-se de um projecto lei a ser votado na Assembleia Nacional francesa que permitirá a ratificação do Protocolo de Londres sobre patentes europeias. E, porquê tanta contestação? Porque o dito projecto de lei permitirá, se adoptado:

au déposant d'un brevet européen de ne plus avoir à traduire sa partie "description" dans les trois langues actuellement obligatoires (français, anglais et allemand), mais dans une seule d'entre elles.

Isto é, quem registar uma patente na Europa passaria a poder fazê-lo em apenas uma das três línguas oficiais, não precisando de fazer a tradução que, como refere a notícia, fica bastante cara.

Ao que parece, apenas 7% das patentes são apresentadas em francês, originalmente. Não sei quantas serão em alemão, mas, certo é, a grande maioria serão apresentadas em inglês. Por isso "les défenseurs de la francophonie redoutent aussi que le protocole ne marque une nouvelle étape vers le " tout anglais".

Chegamos ao busílis da questão: o inglês. Os franceses aceitam mal a perda de influência que a sua língua regista em relação ao inglês nos últimos 50 anos. Não sei é se eles poderão fazer alguma coisa para inverter a situação. De qualquer modo, considero que o Protocolo de Londres é uma boa ideia.

Penso, no entanto, que muita gente sobrestima este perigo da colonização pelo inglês. E a ironia de tudo isto é que muitos americanos pensam que o castelhano está progredir de um modo demasiado veloz nos Estados Unidos.

Poremos concluir que a diversidade linguística da Europa é um dos seus maiores atractivos, mas também uma fonte de problemas. No entanto, seria uma pena se essa diversidade se perdesse. Mas há muitas maneiras de proteger esta diversidade que não passam propriamente por o caso aqui em discussão.

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