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Super Flumina

Liberae sunt enim nostrae cogitationes - Cícero (Mil. 29 - 79) . Um blog de Rui Oliveira superflumina@sapo.pt

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Acordo Ortográfico

Hoje o Público tem o Acordo Ortográfico em manchete, tratando o assunto em vários artigos, tendo até dedicado um editorial "Por que rejeitamos o acordo" para dizer que não o vai seguir.

 

Sobre o assunto, não tenho muito a dizer, apenas que tem feito correr mais tinta do que merece. Em primeiro lugar, não sei se era verdadeiramente necessário um novo acordo ortográfico. A uniformização da ortografia não é assim tão grande como isso e o que mais afasta as variantes europeia e brasileira do português está longe de ser a ortografia.

 

É absolutamente natural que a ortografia evolua e também é natural que haja uma norma. Aliás no séc. XIX, como eu já referi num post passado, Teixeira de Vasconcelos queixou-se da anarquia reinante na ortografia portuguesa em meados do séc. XIX. Só em 1911 é que se concluiu o primeiro acordo ortográfico. Ainda assim, Fernando Pessoa em 1934 editou a Mensagem com uma ortografia arcaizante.

 

Por mim, como tradutor, a questão é simples, farei a tradução na versão que o cliente quiser. Facto é que, se quiser o trabalho segundo o Acordo Ortográfico de 1990, vou ter que o estudar um pouco mais, pois ainda tenho algumas dúvidas (o Acordo é muito mais do que acção->ação ou óptimo->ótimo e outras que tais).

 

Por outro lado, a questão do Vocabulário Ortográfico da Língua Portuguesa também é importante, pois como diz Margarita Correia (na notícia do Público):

 

"O texto legal [do acordo] é aberto, mas é ambíguo e tem até contradições internas. Mas ninguém o vai ler quando tiver uma dúvida. O que se espera é que haja especialistas que façam a interpretação através do Vocabulário".

 

Ora, se o Acordo Ortográfico de 1990 é ambíguo, algo não correu muito bem na sua elaboração (para além da também mencionada facultividade entre diversas formas - lá se foi a intenção uniformizadora). Por fim, não posso deixar de achar piada quando a notícia refere o seguinte (sublinhado meu):

 

"O acordo remete muitas vezes para uma tradição, mas em lugar nenhum define qual é essa tradição. Por isso optámos por regularizar bastante a ortografia". Em muitos casos isto significou tirar os hífens (de "cor-de-rosa", por exemplo, que o acordo admitia com hífens referindo a "tradição", ao mesmo tempo que deixava sem hífen "cor de vinho"). Quando a referência é a pronúncia optou-se por seguir a da região de Lisboa.

 

Por que é que se optou por seguir a pronúncia da região de Lisboa? Será por acaso a mais "correcta"? Ou foi "porque sim"?

 

Para mim, o problema do Acordo Ortográfico de 1990 não está se cedemos mais ou menos do que o Brasil na nossa ortografia (isso não me interessa nada), mas mais na sensação de que ele não resolverá aquilo que pretende resolver, isto é, de que a existência de duas ortografias é prejudicial para a língua portuguesa ("A existência de duas ortografias oficiais da língua portuguesa, a lusitana e a brasileira, tem sido considerada como largamente prejudicial para a unidade intercontinental do português e para o seu prestígio no Mundo."- Portal da Língua Portuguesa - Memória breve dos acordos ortográficos)

 

É que, como qualquer pessoa que, por exemplo, leia textos técnicos sabe, não é por se escrever com a mesma ortografia que a diferença entre as duas variantes se vai atenuar. Um texto brasileiro será sempre um texto brasileiro, como um texto português será sempre um texto português a nível de estrutura sintática e terminologia, só para dar um exemplo.

 

Por último, só para dizer que todo este processo foi, no mínimo, mal conduzido pois desde 1990 andamos a discutir isto.

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