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Super Flumina

Liberae sunt enim nostrae cogitationes - Cícero (Mil. 29 - 79) . Um blog de Rui Oliveira superflumina@sapo.pt

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Liberae sunt enim nostrae cogitationes - Cícero (Mil. 29 - 79) . Um blog de Rui Oliveira superflumina@sapo.pt

Timor: só dúvidas e algumas perplexidades

O assunto de Timor está verdadeiramente confuso e não eu, certamente, que vou elucidar oassunto às massas. Resta-me, apenas, questionar-me sobre algumas pormenores e questões que gostaria de ver respondidos (por alguém a que isso diga respeito, por exemplo, o MNE ou o MAI).

- Disseram que os soldados da GNR iriam manter a paz, pois, por agora, os australianos iriam repor a paz. Isto é, deixaríamos o trabalho difícil para os australianos, depois iríamos nós. Mas, segundo as últimas notícias, os australianos queixam-se de não ter um quadro legal para poderem actuar, pelo que as pilhagens mantêm-se. Por este andar, nem daqui as dois meses a GNR estará em Timor.

- A mim parece-me que esta opção pela GNR e não pelo Exército é mais uma desculpa do Governo para disfarçar a incapacidade de projectar forças (por pequenas que sejam) neste momento. Com missões militares no Kosovo, na Bósnia e no Afeganistão deixou de haver capacidade de enviar uma única companhia que seja para outro lado qualquer. Será que todas estas missões se justificam? Se penso que a do Afeganistão é justificada, já o mesmo não acho das que estão nos Balcãs, sobretudo a do Kosovo, pois aqui estamos a ajudar a amputar um estado soberano de uma zona que lhe pertence e a criar um país onde o tráfico de toda a espécie abunda, incluindo a entrada de extremistas islâmicos. Quando se decidiu ir para o Afeganistão, talvez se devesse ter requacionado as restantes intervenções, não?

- Por outro lado, falando com diferentes pessoas, elas não percebem como é que se leva mais de um mês para mandar 120 homens da GNR para Timor, independentemente de irem para lá manter a paz ou fazer uma outra qualquer coisa. Dá uma ideia confrangedora do país. Uma ideia de quem quer, mas não pode.

Não nos esqueçamos que a crise começou já há algum tempo, não foi com a chegada das tropas australianas. Durante essa semana e qualquer coisa o governo não fez nada que se visse.

Sei que a situação timorense é complexa, mas nestas duas/três semanas pareceu reinar, no governo em geral, um incapacidade absoluta de saberem o que querem ou de, sequer, fazerem aquilo que pretendem.

Boas e más traduções

Não queria deixar de dar boas-vindas à blogosfera a um colega de tradução, Marco Neves, e ao seu blog Traduzido.

Entres os textos publicados, há um, com título Más traduções, bastante interessante, com o qual estou geralmente de acordo, mas que me suscita também algumas questões. Diz o Marco Neves (destaques meus):
A produção de um texto traduzido tem uma tripla faceta: tem de ser um bom texto (escrito em bom português; mesmo quando o original é mau, pergunto-me?), tem de ser bem traduzido (fiel ao original) e não deve ter aspecto de tradução. A má tradução é uma falha nesses três aspectos: falha na qualidade do texto, falha na tradução, falha na transparência da mesma.
1.º Quando ensinei Técnicas de Tradução no Secundário, a primeira coisa que dizia aos meus alunos é que uma tradução é, antes de mais, um texto e, como tal, tinha que ser tratado. Mas, Marco Neves pergunta se a tradução deve estar em bom português mesmo quando o original é mau. Esta resposta é difícil de dar. Em primeiro lugar, deveríamos interrogar o que "tradução" quer dizer. Dito de modo mais claro, o que entendemos por "tradução". É que o conceito de tradução dos romanos era completamente diferente, por exemplo, daquilo que se entende, geralmente, como tradução. Depois para que fim se faz essa tradução? O objectivo pretendido influencia o método de tradução? Resposta complicada, mas a que voltarei mais tarde.

2.º Como avaliar uma tradução? Que modelo de avaliação utilizaremos? Não podemos andar à cata de erros avulsos e depois proclamar que a tradução é má porque tem não sei quantos erros avulsos. O Marco fala em "fiel ao original". Será este um critério para avaliação de uma tradução? Por um lado, temos o problema de saber o que "fiel" quer dizer. Por outro lado, será que o texto original é sempre relevante? Se acreditarmos, por exemplo, em Hans Vermeer, o texto original não é tido nem achado para o caso. Penso que, nem sempre, a fidelidade ao original é um critério de avaliação de uma tradução. Também aqui, a finalidade da tradução pode ter uma palavra a dizer.

3.º Quanto a não ter um "aspecto de tradução" é também uma discussão muito interessante. Quais são as marcas desse "aspecto de tradução"? Por exemplo, sintácticas? Por exemplo, Lawrence Venuti insurge-se com a excessiva "domesticação" da literatura estrangeira nos Estados Unidos. Ele gostaria de ver nas traduções mais traços que estranhos/estrangeiros que fizessem o leitor americano pensar nas diferenças culturais, por exemplo. Claro que aqui falo da tradução literária. Em muitos outros tipos de tradução, o problema é completamente diferente. Um manual de instruções de uma máquina, por exemplo.

A estes três aspectos que refiro aqui não procurei dar uma resposta, mas apenas levantar mais algumas questões mais sobre o assunto. Tenho, naturalmente, as minhas ideias sobre estes assunto, mas o tempo é pouco para elaborar sobre elas e, sobretudo, o meio, não será o mais adequado (pela extensão que alguns dos pontos teriam).

Todavia, penso que os tradutores devem, cada vez mais, reflectir sobre o seu trabalho. Tal como diz Venuti (que, por acaso, até é um autor em que discordo em muitos aspectos): "Translators, [...], need to develop a theoretical and cultural self-consciousness about the place and function of their work."

Se começarem por aqui, já não será mau e, certamente, haverá menos "más traduções".

Miser Europa II

A Comissão Europeia contra o Racismo e a Intolerância (ECRI) divulgou ontem o seu 3.º relatório sobre a situação dinamarquesa, como se sabe esse país do norte da Europa onde não se respeitam os direitos humanos...

Não o li integralmente, mas houve alguns pontos que me saltaram à vista. Por exemplo:
Antisemitism

85. ECRI deeply regrets the fact that Holocaust denial and revisionism are not a crime in Denmark. It has thus been brought to its attention that 90% of Nazi material and memorabilia as well as Holocaust denial material are published and manufactured in Denmark and sold in the rest of Europe, mainly in Russia. ECRI also notes with concern that as freedom of speech prevails in Denmark, antisemitic statements are not monitored. It has further been informed that although there are approximately 5000-6000 Jews in Denmark, very little research is carried out regarding their situation. As a positive matter, ECRI notes that since 2003, each year the Holocaust Memorial Day is commemorated in Denmark on the 27th of January.

Toda a gente que me lê sabe da minha simpatia por Israel e pelos judeus, tendo até já sido acusado de "sionista" (seja lá o que queriam dizer com isso). Mas, longe de mim defender que se deva criminalizar quem nega o Holocausto ou defenda concepções históricas revisionistas sobre este assunto. Agora, vem um organismo do Conselho da Europa defender o crime de opinião? Os negacionistas e revisionistas combatem-se pela exposição das suas mentiras.

Mais grave é a esta afirmação: "ECRI also notes with concern that as freedom of speech prevails in Denmark...". Mas que é isto? Então não é suposto a liberdade de expressão prevalecer. Já os gregos antigos, juntamente com a isonomia (igualdade de direitos) e a isocracia (igualdade no poder), gabavam-se de possuir a isegoria (igualdade no falar), ou seja, a nossa liberdade de expressão. Quem conhecer as comédias de Aristófanes sabe que ele utiliza uma liberdade ilimitada para atacar políticos, militares, filósofos ou poetas, mesmo no contexto da Guerra do Peloponeso. Como diz Ribeiro Ferreira in A democracia na Grécia Antiga (1990:175): "nenhuma democracia moderna, por mais aberta que seja, concede uma liberdade de expressão tão ampla como a que se vivia em Atenas."

A tentativas censórias do politicamente correcto são por demais evidentes. Além do mais, quem é que declara o que se pode dizer e o que não se pode dizer? Se a propaganda nazi é proíbida, porque não é proíbida também a propaganda comunista? O comunismo também matou milhões de pessoas (e ainda continua a matar)... Estas ideias erradas combatem-se no campo das ideias.

Outro ponto que me levanta grandes dúvidas quanto à seriedade e utilidade de um organismo como este, é o que diz respeito ao ponto dos "Vunerable groups" em que os muçulmanos vêm logo em primeiro lugar.

Continuando o seu ataque à liberdade de expressão, o relatório diz (destaques meus):

Although, in 2003, a number of cases of incitement to racial hatred in general, and against Muslims in particular were successfully prosecuted, ECRI notes that the police are generally reluctant to investigate complaints made by Muslims concerning hate speech directed against them. ECRI regrets in this regard that the lack of a strong message that would be sent by consistently prosecuting those who breach Article 266 b) of the Criminal Code has given some politicians free reign to create an atmosphere of suspicion and hatred towards Muslims. This problem is compounded by the fact that the media mostly interview those imams who express the most extreme views, thus confirming the image that is being given of Muslims as a threat to Danish society. In September 2005, with the stated intention of verifying whether freedom of speech is respected in Denmark, a widely-read Danish newspaper called on cartoonists to send in caricatures of the Prophet Mohammad; such drawings are considered to be offensive by many Muslims. This newspaper thus published 12 such cartoons, one of which portrayed the Prophet as a terrorist. The issue has caused widespread condemnation and a protest march was organised in Copenhagen as a result. The fact that, according to a survey carried out regarding the publication of these drawings, 56% of the respondents felt that it was acceptable is a testimony of the current climate in Denmark. ECRI considers that the goal of opening a democratic debate on freedom of speech should be met without resorting to provocative acts that can only predictably elicit an emotional reaction. ECRI wishes to bring to the Danish Government’s attention in this regard, that in its General Policy Recommendation No. 5 on combating intolerance and discrimination against Muslims, it calls on Member States to encourage debate within the media on the image which they convey of Islam and Muslim communities and on their responsibility in this respect in avoiding the perpetuation of prejudice and biased information.
Este parágrafo é um rematado disparate e ainda se criticam os dinamarqueses por 56% destes acharem que a publicação das caricaturas de Maomé como acto perfeitamente legítimo. Só por isso os muçulmanos são considerados como "oprimidos" nas Dinamarca. mas ainda maior disparate vem, aseguir, nas recomendações (destaques meus):
Recommendations :

92. ECRI urges the Danish Government to send a strong signal that incitement to racial hatred against Muslims will not be tolerated, by strengthening Article 266 b) of the Criminal Code to that end.
"Racial hatred" contra muçulmanos? Desde quando ser muçulmano é uma raça? Idiotice pura.Ainda se lá estivesse escrito "religious hatred". Se calhar querem fazer equivaler "racial hatred" a "racial and religious hatred". Mas as palavras ainda têm o seu sentido. "Islamofobia" também não é o equivalente muçulmano de "anti-semitismo", por mais que os promotores da noção de "islamofobia" se esforcem. É que se referem as realidades bem diferentes.

Sob a rubrica "Specific issues - Climate of opinion", os burocratas europeus voltam a atacar a sua "bête noire": a liberdade de expressão (destaques meus).
104. ECRI notes with deep concern that, as indicated above, the climate in Denmark has worsened since its second report and that there is a pervasive atmosphere of intolerance and xenophobia against refugees, asylum seekers, as well as minority groups in general and Muslims in particular. The media, together with politicians play a major role in creating this atmosphere. As also previously indicated, members of the Danish People’s Party, have, on several occasions, made shockingly racist statements in the media, without being suspended from this party. The police’s reluctance to bring charges against those who incite racial hatred in accordance with Article 266 b) of the Criminal Code and the fact that freedom of expression is placed above all else have contributed to giving free reign to some politicians to make derogatory statements in the media about minority groups.
Verdadeiramente criminosos estes dinamarqueses com a sua casmurrice em privilegiar a liberdade de expressão. Não há dúvida, em cada burocrata mora um censor.

Enfim, a conversa já vai longa, mas esta gente não tem mais que fazer? Certamente que a Dinamarca terá problemas com a integração dos seus imigrantes. Mas, pôr o ónus apenas no governo e líderes políticos não será a receita para o desastre? Será que os imigrantes nada têm que fazer para se integrarem na sociedade que os recebe e que lhes dá melhores condições do que os seus paíse de origem.

Como é que os dinamarqueses, por exemplo, podem ter opiniões boas sobre os muçulmanos quando vêem casos como este. Se ficaram a saber que quem inflamou o caso das caricaturas foi um imã que vive na Dinamarca há mais de vinte anos e que se recusa a aprender dinamarquês. Em que poucas vezes se ouve a voz dos chamados muçulmanos moderados (que certamente existem), seja por medo, seja por outra razão qualquer? Em que as mais importantes autoridades religiosas muçulmanas na Europa têm muita dificuldade em condenar actos terroristas cometidos por extremistas muçulmanos?

Post-scriptum. O primeiro-ministro da Dinamarca já disse para onde vai arquivar este relatório: o cesto de papéis.

Miser Europa...

... neste caso específico, Holanda. E porquê? Vejam o caso lamentável que esta semana se passou com a agora ex-deputada holandesa Ayaan Hirsi Ali. E isto certamente não acontece por acaso, pois esta senhora era demasiado incómoda para esta pobre Europa acobardada.

A história conta-se em poucas palavras, como se pode ler aqui, por exemplo. Em resumo, Hirsi Ali, nascida na Somália, mentiu em 1997, para obter a cidadania holandesa, mas desde 2002 (ainda antes de ser deputada), que não fez segredo disso. Esta semana, a televisão pública holandesa voltou a recordar este facto, num documento intitulado "Santa Ayaan", através de um testemunho (pago) de um irmão. A ministra Rita Verdonk, do mesmo partido de Hirsi Ali, apanhada talvez nas malhas da sua política rigorosa de imigração (por vezes um pouco cega) e na luta pela liderança do seu partido, rapidamente julgou que se deveria retirar a cidadania holandesa a Ali. Isto num país em que a expulsão de imigrantes ilegais que mentiram no seu processo de obtenção de cidadania não é conhecida pela sua rapidez. Por tudo isto, Hirsi Ali decidiu deixar a Holanda e ir tabalhar para os Estados Unidos para o American Enterprise Institute.

Obviamente que Hirsi Ali não está nesta situação complicada apenas por ter mentido no pedido de naturalização (afinal grande parte da esquerda radical, por toda a Europa, tem a mania de pedir uma política de fronteiras abertas e não faltam para aí gente a defender a legalização de imigrantes ilegais).

Ela tem problemas por ser um crítica dos islamismo radical, da condição da mulher no Islão, do multiculturalismo. Ela apresenta-se também como ex-muçulmana. Lembre-se que o filme "Submission" do assassinado Theo Van Gogh tinha guião escrito por Hirsi Ali. Ela tem problemas por, por um lado, não se submeter ao consenso mole do politicamente correcto e, por outro lado, ousar dizer o que muita gente pensa em voz baixo, mas não diz em voz alto, até por medo (vejam os problemas que Hirsi Ali teve com a sua própria segurança pessoal).

A declaração de Hirsi Ali pode ser encontrada aqui.

A Europa parece estar a ceder ao medo de questionar as verdadeiras causas do seu actual ocaso que, longe disso, não é apenas económico, mas político e cultural.

Poema do dia

Coimbra, 14 de Maio de 1981.

REMEMORAÇÃO

Sim, a vida não presta.
Mas foi bonita a festa
Da mocidade.
O corpo são, a alma sã, e todos os sentidos
Na sua virgindade
Castamente despidos.

Lembrá-lo, agora, dá não sei que paz.
Esta paz medular
De já ter sido,
E ter sido capaz
De uma hora solar
Gravada a fogo no tempo perdido.

(Miguel Torga, Diário XIII)

Leitura de fim-de-semana

Para o fim-de-semana, deixo a seguinte recomendação de leitura:

L'immigrationisme, ou la dernière utopie des bien-pensants de Pierre-André Taguieff.

Só um bocadinho, para ver se abro o apetite para a leitura (destaques meus):
Partons de la thèse bien-pensante sur l'immigration, la thèse centrale de l'immigrationnisme, telle qu'elle est formulée dans le langage politique ordinaire : l'immigration serait un phénomène à la fois inéluctable et positif. C'est là une thèse étrange, qui a pour conséquence de fermer la discussion qu'elle semble ouvrir. Elle indique en effet une voie politique unique : celle de l'acceptation sans discussion de ce qu'on appelle « l'immigration ». Il n'est nul besoin d'être un spécialiste du droit de la nationalité pour relever l'incompatibilité entre l'existence d'États-nations indépendants et souverains et le principe de l'entrée libre dans les États-nations de tous les migrants qui se présentent. Dans les débats politiques contemporains, en France tout particulièrement depuis les années 1980, on entend couramment par « immigration », d'une façon restrictive mais sans le savoir, un flux de personnes à destination de la France (1). C'est ainsi qu'on peut expliciter le contenu de la notion d'immigration telle qu'elle fonctionne dans la connaissance ordinaire. La réalité sociale, culturelle (aussi bien religieuse qu'ethnique), démographique et économique du phénomène est certes moins simple, mais il est possible d'aborder les interactions polémiques sur la question en partant de la notion de sens commun. La vision immigrationniste de l'immigration n'est bien entendu pas la seule possible. La thèse politiquement incorrecte serait que l'immigration est un phénomène inéluctable et négatif, comparable à un raz-de-marée ou à une invasion, à la conquête lente d'un territoire. Face à la force qui s'impose, la seule politique possible est alors celle d'une autodéfense désespérée, qui peut prendre la forme d'une réaction xénophobe. Une troisième thèse, politiquement incorrecte encore, consiste à juger l'immigration comme un phénomène non inéluctable et négatif. Il suffit alors, pour les autorités politiques, de fermer rigoureusement les frontières, ce qui est plus facile à concevoir qu'à réaliser dans un contexte d'échanges globalisés. Si l'on perçoit l'immigration, quatrième thèse, comme un phénomène non inéluctable, sans qu'on préjuge de sa positivité ou de sa négativité, alors une réflexion sérieuse sur la politique de l'immigration la plus souhaitable peut commencer.
Aconselho a leitura integral.


Leituras

Sou, habitualmente, um leitor incansável pelo que ando sempre com um livro comigo, vá para onde vá. A minha mulher já estranha quando saio de casa e não levo o famigerado livro. Mas, e se calhar nem sequer é estranho, a literatura não ocupa o maior espaço nas minhas leituras. Usualmente o meu interesse reparte-se entre história, linguística, teoria da tradução, literatura (com, actualmente, maior preponderância da poesia sobre a prosa e de autores mais antigos sobre os mais modernos) e política (mais ou menos por esta ordem de importância).

Também é hábito ler vários livros ao mesmo tempo, alternando os livros, mas tentanto não deixar demasiados dias entre leituras para poder continuar a leitura sem perder o fio à meada. No entanto, nos últimos dias concentrei-me praticamente num livro cuja leitura me absorveu totalmente: a biografia de D. Dinis por José Augusto Pizarro, editada pelo Círculo de Leitores no âmbito da sua colecção Reis de Portugal. Esta série faz a biografia de todos os reis de Portugal, tendo já saído grande parte da colecção. Todavia, apesar de já ter todos aqueles que saíram até agora, ainda não tinha tido oportunidade de ler qualquer um deles. Comecei por D. Dinis.

E penso que comecei bem. Direi apenas que a obra se lê como um romance, numa linguagem bastante clara, com imensos pormenores e informações actualizadas, tendo como objecto um longo reinado de mais de 45 anos de um dos mais competentes e cultos reis de Portugal.

Tal como o historiador autor desta biografia, também eu tenho uma grande admiração por D. Dinis, mas a minha admiração por este rei era sobretudo pela sua produção poética, com poemas extraordinários, para além de ter sido o trovador medieval da poesia galego-portuguesa que maior produção poética fez chegar até nós. D. Dinis é, sem qualquer favor, um dos grandes poetas do nosso país.

Também tinha consciência de que o reinado de D. Dinis foi de algum modo fundamental para a consolidação do reino de Portugal no contexto ibérico, mas este livro vem, de um modo sistemático, explicitar tudo isso ao mesmo tempo que mostra a dimensão que este rei teve no seu tempo.

Na conclusão, o autor faz uma observação que, pensando bem, tem toda a razão: o da injustiça que é para D. Dinis ser conhecido pelo cognome de "Lavrador". José Augusto Pizarro, depois de estar de acordo com o cognome de rei Poeta pela sua produção poética, diz o seguinte (pp. 261-262):
Mas se concordo inteiramente com aquele cognome, não posso deixar de manifestar o meu mais veemente desacordo - quase diria indignação - pelo de rei Lavrador. Aliás, creio que nenhum outro monarca português foi tão injustiçado por um cognome como D. Dinis, amarrado, é o termo, durante gerações ao mafaldado pinhal de Leiria. E nisto, para o imaginário de uma boa parte dos cidadãos, se resumia a acção deste rei, para além de ter sido o marido da Rainha Santa, e a causa próxima do Milagre das Rosas.

(...) Como biógrafo, porém, custa-me ver reduzida àqueles termos uma personalidade tão fascinante e um reinado tão rico e fecundo. Creio que bem mais mereceram a figura e o governo de D. Dinis.
Não poderia estar mais de acordo com esta afirmação.

Não sei como serão os restantes livros da colecção, espero sabê-lo com o decorrer do tempo, mas, este, desde já, posso recomendá-lo.

A caixa de Pandora

Para um observador exterior, Rodriguez Zapatero parece estar empenhado em desfazer em poucos anos aquilo que levou aos reis de Castela centenas de anos a construir. Os reis de Castela sempre se acharam com direito ao título de "Imperator hispanorum", pois consideravam-se (acima de todos os outros reinos da Hispânia) como os herdeiros legítimos do Império Visigótico desaparecido em 711 d.C.

Mas, agora que Zapatero está há cerca de 2 anos no governo, a Espanha dá alguns inquietantes sinais, não diria de desagregação, mas de um certo mal-estar. Depois da questão da palavra "nació" no novo estatuto da Catalunha, agora a Andaluzia aprovou um novo estatuto, que procura emular o da Catalunha, que procura equiparar essa região autónoma com as outras nacionalidades históricas, andanado às voltas com expressões como "realidad nacional" e "una nacionalidad histórica". A Andaluzia? Enfim, a Catalunha abriu o caminho, agora os outros vão todos tentar segui-lo.

Sinceramente, não acredito que a Espanha vá implodir, mas após o centralismo de Castela, não sei se este novo caminho vá dar a algum lado.

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