O 5 de Outubro
Bem, hoje é o feriado da praxe, o da Implantação da República, complementado com uns discursos chochos, as vezes pejados de "virtudes republicanas" que já não dizem nada a ninguém e que os portugueses daquele gostariam de ter evitado.
Dito isto, não se pense que eu sou anti-republicano. Bem pelo contrário, eu sou poderia ser republicano, nunca monárquico. E porquê? Os gregos antigos tinham três conceitos que caracterizavem a sua democracia: a isonomia (de longe o mais importante), a isocracia e a isegoria.
Claro que podemos objectar e dizer que isto aplicava-se apenas aos cidadãos atenienses (que desde a época de Péricles, 450-451 a. C., tinham que ser, para ter cidadania ateniense, filhos de pai e mãe ateniense). Mas, enfim, já se passaram 2500 anos e agora estes conceitos podem ser alargados a todos. De qualquer forma, nenhum destes direitos podem ser totalmente absolutos, devido a constragimentos da vida real.
Voltando a estes conceitos, o primeiro era a isonomia, isto é, a "igualdade perante a lei", princípio fundamental da democracia grega, tão fundamental que Heródoto utiliza-o para caracterizar a democracia:
O governo do povo, em primeiro lugar, tem o mais formoso dos nomes, a isonomia. Em seguida (...) é pela tiragem à sorte que se alcançam as magistraturas; detêm-se o poder, estando sujeito a prestar contas; todas as decisões são postas em comum. (...) Pois é no número que tudo reside.
(Tradução de M. H. Pereira, Hélade, 1995, 6.ª ed., pp. 500-501)
De notar ainda que a "tiragem à sorte" era também uma característica da democracia ateniense, bem como a soberania do povo com o seu poder deliberativo, a responsabilização dos magistrados e o princípio da marioia.
Daqui o ateniense acreditava no princípio da isocracia ou "igualdade de poder", isto é, no acesso aos cargos. Todo o cidadão deveria, por esse facto de ser cidadão, poder aceder a qualquer cargo. Está claro que nem mesmo na Atenas de Péricles esta igualdade foi absoluta pois, por exemplo, o Estratego era eleito, podia ser eleito em anos sucessivos e não tirado à sorte, ao contrário dos arcontes. Isto porque o estratego era o chefe militar e para esse cargo haveria que ter determinadas características.
Por último, havia a isegoria ou a "franqueza de falar" ou "igualdade no falar"; nos tempos modernos, a nossa "liberdade de expressão". Era uma característica básica da democracia ateniense, mesmo em tempo de guerra, como foi o caso da Guerra do Peloponeso. A liberdade de expressão dos atenienses era muito maior do que aquela que as sociedades democráticas modernas concedem aos seus cidadãos. A ideia de penalizar afirmações consideradas racistas, homófobas, anti-semitas, etc... seriam perfeitamente estranhas ao espírito grego da época.
Mas a liberdade de expressão tinha um dispositivo moderador chamado "graphê paranomon", em que um cidadão poderia ser condenado pela Assembleia (Ecclesia) a pagar uma multa por ter feito uma "proposta ilegal". Deste modo responsabilizava-se o cidadão pelas propostas feitas, ao contrário do que acontece com os deputados que têm liberdade parlamentar. O orador sabia que o seu discurso comportava riscos se afrontasse a constituição ateniense.
E, chegado a este ponto, alguém pode pensar: "o que é que isto tem com ser monárquico ou republicano?" Afinal de contas, há muitas monarquias democráticas e constitucionais. É verdade, aliás a nossa monarquia constitucional derrubada em 1910, por exemplo, respeitava a liberdade de expressão a um nível que seria absolutamente insuportável nos dias de hoje. Podia dizer-se "mata-se o Rei" e ninguém ia preso por isso.
O problema para mim está numa questão de princípio: a ideia de que alguém, apenas por ter nascido no seio da família em que nasceu ser o chefe de Estado infrige logo o conceito de isocracia e também o conceito mais abrangente de isonomia, visto que, este último engloba a isocracia e a isegoria.
Aqui ao defender a igualdade não estou a defender o igualitarismo. Defender a igualdade de acesso a alguma coisa não quer dizer que todos tem direito a isso. Em muitas ocasiões é preciso trabalhar muito para se alcançar aquilo a que nos propomos.
Por esse motivo, sou republicano, embora pudesse, sem problemas nenhum viver sob um regime monárquico constitucional e democrático e, podem ter a certeza que não iria gritar "morte ao Rei".
Não acredito que intrinsicamente uma organização de estado republicana seja superior a uma organização de estado monárquica, se ambos tiverem uma constituição democrática. Como digo, a questão é de princípio.
Bem, explicado o meu republicanismo, porque é que não gosto da 1.ª República?´A história é longa, mas quem ler o 6.º volume da História de Portugal dirigida por José Mattoso, volume com o título "A Segunda Fundação (1890-1926)" de Rui Ramos, verá lá desmontada uma data de mitos que os herdeiros da 1.ª República gostam de espalhar.
Não me vou alongar muito, mas, por exemplo, a 1.ª República foi menos democrática do que a monarquia que tinha derrubado. Porquê, a lei eleitoral de 1913 era mais restritiva do que as da monarquia, sobretudo daquela de 1884, dando um peso muito maior aos círculos eleitorais em que os republicanos sabiam ter maior expressão e reduzindo a quase zero aqueles círculos que eles achavam estar dominados pelo conservadorismo e a Igreja. Isto é, fizeram uma lei eleitoral que lhes permitia ganhar sempre à partida. No mínimo o jogo estava viciado. Aliás, a 1.ª República foi governada a partir da rua.
Por outro lado, o anti-clericalismo feroz e cego dos republicanos também isolou a República do país real. A lei de 1911 da Separação entre a Igreja e o Estado queria destruir toda a instituição eclesiástica. Era o primeiro passo extinguir o Catolicismo. Afonso Costa terá dito que eliminaria o Catolicismo de Portugal numa geração. Como o próprio Mário Soares o reconheceu a oposição radical que a 1.ª República fez a Igreja levou muita gente a afastar-se da República, mesmo sendo republicanos, e permitiu que germinassem as condições para o golpe de 28 de Maio.
O estado português com a 1.ª república, e exceptuando-se o breve período de ditadura de Sidónio Paisem 1917-1918, foi propriedade de um único partido o Partido Republicano Português, atropelando todas liberdades dos cidadãos para impedir a perda de poder.
Muito mais haveria a dizer, mas, estes poucos aspectos apenas, bastam para não me fazerem fã da 1.ª República.
E aliás, em 1926, também já não havia fãs da 1.ª República, pois tal como a monarquia em 1910, não houve no 28 de Maio gente disposta a morrer por ela.