No início da década de 70 do séc. XIX, Otto von Bismark, o todo poderoso chanceler do recém criado Deutsches Reich (Alemanha ou, de 1871 a 1918, Império Alemão), decidiu contrariar a influência que a Igreja Católica tinha dentro do Império, sobretudo no sul da Alemanha e na parte da Polónia ocupada então pela Alemanha. Promulgou então leis e decretos para tentar eliminar a influência da Igreja. Foi então que Rudolf Virchow, apoiante, de Bismarck e membro do partido liberal (Deutschen Fortschrittspartei) cunhou a palavra kulturkampft. Sabemos no que isso deu. Bismarck teve que recuar.
Mas as guerras culturais não pararam aí. É sabido que os campuses norte-americanos são um dos campos de batalhas preferidos para se travarem as culture wars entre social conservatives e social liberals durante os últimos 40 anos. Estes últimos, que nada têm de liberais no sentido europeu do termo (leitura recomendada: Alain Laurent (2006). Le Libéralisme américain – Histoire d’un détournement, Paris: Les Belles Lettres), têm uma grande proeminência nas universidades americanas, sobretudo nas humanidades. E é também nestas “progressistas” universidades americanas que direitos individuais como, por exemplo, a liberdade de expressão.
Foi isto que aconteceu na University of Delaware, que tinha em vigor um programa obrigatório, para os cerca de 7000 residentes na universidade, que os pretendia “reeducar” no sentido de uma certa visão de questões como raças, sexualidade, sociologia, ambiente, etc.
Este vasto programa de reeducação dos estudantes, foi denunciado pela FIRE (Foundation for Individual Rights in Education) em 30 de Outubro de 2007. A leitura deste press release é bastante elucidativa da monstruosidade deste programa. Através dos links proporcionados pelo artigo, pode-se ver até que nível ia a doutrinação para os valores “correctos”. O próprio programa era considerado como um “treatment” para corrigir os comportamentos dos estudantes. Blogs como Instapundit e Little Green Footballs pegaram também no caso, dando-o a conhecer amplamente não só por toda a blogosfera, como também os media.
Num primeiro tempo, a UD tentou defender o programa, concedendo que palavras como “treatment” eram no mínimo problemáticas, dizendo que tinha sido deturpado a sua intenção e que nem sequer era um programa obrigatório. Também esta carta, teve resposta por parte da FIRE.
O facto é que, o presidente da universidade, Patrick Harker, decidiu que não precisava desta má publicidade e acabou com o programa. Ainda dizendo que a ideia do programa tinha sido deturpada pelos seus detractores, acabou por reconhecer que o mesmo levantava muitos problemas, pelo que, o melhor era mesmo terminá-lo de imediato. Neste caso, a vitória da FIRE foi rápida.
Entretanto, a University of Delaware começou a remover artigos que tinham sido criticados pela FIRE e pelos bloggers. O que é que a universidade teme? Ou será que a qualidade dos mesmos não mereciam estar publicados na página de uma universidade?
Parece que por agora os estudantes da University of Delaware vão ser deixados em sossego. Mas nunca fiando, quem tem tendências totalitárias, tem a tendência de voltar à carga. O seu zelo missionário, geralmente, não tem limites.
Mas, não apenas a ideia do programa é no mínimo totalitária, como o material distribuído (e que algum do qual está agora a ser retirado), que fornece as definições sobre as quais o programa funcionava, é no mínimo extremista. A FIRE tem uns excertos de alguns exemplos das definições utilizadas. Por exemplo, a de “racista”:
“A RACIST: A racist is one who is both privileged and socialized on the basis of race by a white supremacist (racist) system. The term applies to all white people (i.e., people of European descent) living in the United States, regardless of class, gender, religion, culture or sexuality. By this definition, people of color cannot be racists, because as peoples within the U.S. system, they do not have the power to back up their prejudices, hostilities, or acts of discrimination. (This does not deny the existence of such prejudices, hostilities, acts of rage or discrimination.)” - Page 3
Segundo esta definição todos os brancos são racistas. Ponto final, parágrafo. As “pessoas de cor” não podem ser racistas (embora possam fazer actos recrimináveis). Esta definição de racista baseada numa teoria de poderes é particularmente perversa. E justifica muitas barbaridades.
Mas, no material de apoio, e que foi retirado, há um artigo de uma tal Sharon Martinas, intitulado “The Culture of White Supremacy”, escrito em 1994, que pode ser encontrado aqui. Este artigo tem uns parágrafos absolutamente espantosos. Passo a transcrever:
4. White culture labels the cultures of the Americas, Africa, Asia and the Arab world as inferior to cultures that have evolved in Europe. Futhermore, white culture actively promotes the historical lie that the culture that evolved in ancient Greece was the “fountainhead of western civilization.”
In fact, most of the great Greek scholars and poets went to Kemet (the name for ancient Egypt), which was na African culture and civilization, to study for years before they returned to create their own forms of wisdom. And the “renaissance” of Europe did not begin in Italy, as our textbooks say, but in Spain and Portugal, which, under the African and Arabic Moorish Empire of the 8th trough the 15th centuries preserved and recreated the wisdom of the ancient world, and developed the technology which allowed the Spanish and Portuguese to embark on their voyages of exploration and conquest of lands outside Europe.
Tanta falácia em tão poucas palavras. Tanta ideia falsa que os multiculturalistas gostam de espalhar, sem qualquer sustentação na realidade. Não a civilização grega não é original, provém do Egipto. Mas esta gente não se dá sequer ao trabalho de estudar um pouco. É claro que o Egipto e a Grécia tiveram contactos desde tempos muito recuados (o mundo micénico tinha contactos com o Império Novo egípcio). Mas, académicos gregos a estudarem no Egipto, só mesmo na época helenística e não se pode dizer que o Egipto ptolomaico era uma país de cultura e civilização africana (o tempo dos faraós já lá ia há muito tempo). O grego era a língua da corte ptolomaica e, aliás, a língua franca no Mediterrâneo oriental, ainda no tempo de Cristo.
Quanto à renascença, outro disparate. A sabedoria do mundo antigo não foi conservada em exclusivo pelos muçulmanos. Em Itália, a passagem da Antiguidade Tardia para a Alta Idade Média fez-se conservando-se muito do que tinha sido escrito em latim. O próprio Carlos Magno promoveu aquilo que se chamou o “renascimento carolíngio”. Se é verdade que a civilização sarracena atingiu grande brilhantismo e seu deu a conhecer autores gregos, desconhecidos então na Europa Ocidental, através das traduções árabes, o facto é que a civilização bizantina não era menos brilhante do que a civilização sarracena. Aliás, depois da queda de Constantinopla em 1453, e com a afluência de académicos gregos ao Ocidente, o conhecimento da língua grega e dos autores gregos expandiu-se dramaticamente.
Os portugueses e espanhóis certamente algo devem à civilização árabe, não se pode ignorar isso, mas dizer que foram exclusivamente os conhecimentos dessa civilização que permitiram a expansão dos povos peninsulares é, no mínimo, ridículo. Aliás, os portugueses é que pegaram em tecnologias existentes e as desenvolveram.
Estas deturpações e distorções à história são moeda corrente nos meios académicos anti-ocidentais. Tal como todo e qualquer branco é um racista, a civilização ocidental, para esta gente, é má e, ainda por cima, não é original. Não! Gente tão má não poderia fazer algo de bom…